sábado, 30 de janeiro de 2010

O Itinerário de Santo Agostinho
Palavras-chave:
Busca, felicidade, memória, esquecimento, invocação e aceitação.

Resumo: É facilmente notável nas páginas de Confissões de Agostinho a saudade de Deus. É a partir desta saudade que ele traça um caminho em busca de satisfazer essa falta, pois, se há saudade fica evidente que num certo momento houve um relacionamento com Deus e o afastamento dele nos insere numa saudade. Agostinho nos conduz a um itinerário rumo à felicidade, oferecendo-nos pistas para que não nos percamos durante o percurso. Expõe ele as características, particularidades, especificidades, para então nos projetarmos em direção “nossa”, ao nosso interior, assim na direção de Deus por Deus mesmo. É muito difícil nas obras de Agostinho, e nas Confissões não é diferente, isolar conceitos, pois, de certo eles se entrelaçam, envolvem-se, perpassam-se. Iremos então nos ater, dedicar-nos, limitar-nos ao máximo nas características da busca, como buscar, o que dificulta essa empreitada.

Busca e encontro...
Para Agostinho o homem destina-se à felicidade e isso se dá no reencontro com seu criador. Nesse itinerário de volta a Deus é necessário um longo percurso para dentro de si mesmo. E neste sentido a alma tende para se buscar, a partir de uma tarefa voluntariosa e de amor. Busca-se aquilo que se ama. Há um desejo ardente e pulsante por algo de dentro, no mais recôndito do interior do homem. E até reencontrar-se dentro de si consigo mesmo, o homem não aquieta seu coração. Como diria Guimarães Rosa há um “ensimesmar-se” , voltar-se para dentro de si mesmo, abstrair-se.
“Quando te procuro, ó meu Deus, procuro a felicidade da vida. O meu corpo, com efeito, vive da minha alma, e a alma vive de ti. Como então devo procurar a felicidade? Não a possuirei enquanto não puder dizer: basta, aqui está” .
Há, no homem, uma memória de Deus, um lembrar-se de seu criador. Um desejo pelo imperecível, pela eternidade. Quando pode, escolhe pela verdade. Vive em busca da felicidade em algo que permaneça. Deus, verdade e felicidade, de certa forma, tornam-se princípios de sua existência, pois deseja a eternidade do ser, busca de conhecer a verdade, quer a felicidade. E mesmo não sendo tão evidente à memória, o homem é orientado, iluminado por Deus, permitindo a lembrança da memória. Partindo deles, esses princípios, também o critério para o “sossegamento” de seu coração, já que este não se aquieta. A busca desses princípios se manifesta durante toda a existência humana e o prazer está na busca deles. Pelo contrário, quando nos afastamos de Deus, afastamos-nos de Deus e de nós mesmos, por conseguinte da felicidade.
“Tu és a verdade que a tudo preside ”.
Agora, se Deus preenche tudo, inclusive o homem, e este não reconhece esse preenchimento, é porque ele próprio se afastou de si mesmo. Então esses princípios aos quais o homem é voltado, encontram-se dentro dele mesmo, no mais íntimo de seu ser. Deus é mais presente que o homem dentro do próprio homem. Poderíamos afirmar que o homem se esqueceu desses princípios, mas só esquece de algo que se conhece. É a memória do esquecimento.

Para falar das diferenças...
O livro X das Confissões, onde Agostinho argumenta acerca da memória, há uma problemática na qual se refere à invocação. Como sabemos o prefixo “in” refere-se a um movimento para dentro, “aproximação”. Vocação é o ato de chamar. Pode-se dizer que essa invocação é um chamar dentro, algo de inerente ao homem, chama algo que está dentro dele mesmo. Evidencia-se uma linha muito tênue entre o humano e o divino. O homem limitado, mortal e pecador, diante de Deus, suma potência, imortal, perfeita perfeição. Ainda diante desta desproporção, lhe é dado a oportunidade da invocação, que precede o louvor, sendo este considerado uma parcela da felicidade do homem. No entanto, o homem tem para si um outro fator muito importante e que lhe comprometeu e o compromete durante toda sua vida; o pecado original, que surge de um desejo do homem de se igualar a Deus. A soberba, esse inchaço, empolamento. O homem se envolve, está envolto no pecado, pois, pelo pecado, pela soberba, o homem se esqueceu de sua relação com Deus, e, por conseguinte, de sua meta, o repouso em Deus. Na tentativa de se igualar a Deus, o homem perdeu seu rumo.
Todos esses fatores evidenciam a busca do homem por seu “princípio”, “essência”, que é o repouso em Deus.

Para lembrar de lembrar...
Nesse itinerário de volta para si e para Deus, é necessária uma preparação, um preâmbulo, um proêmio. Nesse início é necessária uma rememoração, uma lembrança da lembrança. Uma primeira etapa consiste em aceitar o testemunho daqueles que conviveram com a própria história no presente, na pregação testemunhada e atestada na Sagrada Escritura. Isto de forma muito singela, mas não menos importante, seria o ponto inicial, voluntarioso e que acompanhará e orientará no caminho a ser percorrido. Dessa forma, a partir da fé, há um debruçar-se diante da razão, ou seja, a razão corroborada pela fé prosseguirá o itinerário então iniciado. Esta noção dada pela fé não será o objeto final, mas, apenas um esboço, “esquisse”, pois, não se busca o que se possui e sim o que se deseja, ama, mas não tem.
“Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti ”.
Para Agostinho a fé é responsável pela percepção da verdade, a qual o próprio Deus participa e que está presente e ausente no homem; presente, pois, está na natureza do homem, e ausente no interior do homem pelo afastamento de Deus. Pela fé, Deus permite o reconhecimento dessa verdade. A fé não se basta a si mesma, pois indica um caminho a ser percorrido e demonstra a não chegada ao seu final. Mas é suficiente para conduzir o homem até a entrada para si mesmo, onde também está Deus.
“Quem conhece a verdade conhece esta luz, e quem a conhece, conhece a eternidade. Ó eterna verdade, verdadeira caridade e querida eternidade! És o meu Deus, por ti suspiro dia e noite ”.
Para não concluir...
A busca da felicidade é um dos objetivos da vida de Agostinho, verdade e felicidade se relacionam no caminho para Deus. Isso é essencial para o homem no que concerne ao aquietamento de seu coração. Há uma relação muito estreita entre memória e esquecimento. Existe uma lembrança de Deus, e uma lembrança do esquecimento. Evidente que somente se lembra que esqueceu aquele que possuir a lembrança na memória. Deus oferece sua memória em relação a si mesmo ao homem “memoria dei”.
Existe um processo voluntarioso do homem que invoca, chama dentro de si, mesmo diante das diferenças entre o homem e Deus. O homem feito por e para Deus, sendo louvor sinônimo de felicidade. Para seguir este itinerário no seu começo é imprescindível a aceitação da fé, a qual mostrará à razão a estrada. Podemos subentender que ao percorremos esse caminho chegaremos ao objetivo do homem, a felicidade junto de Deus e o encontro consigo mesmo, abrandando suas inquietudes e proporcionando sua tão cara felicidade.

Bibliografia:
AGOSTINHO, Santo, 354-430. Confissões: Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante; revista de acordo com o texto latino por Antonio da Silva mendonça. 9ª ed.-São Paulo, 1984.
BIBLÍA SAGRADA: Antigo e Novo Testamento. Tradução dos Originais mediante a versão dos monges de Moredsous (Bélgica): 110ª Ed. – São Paulo, 1997.
BOEHNER, Philotheus; Gilson, Etienne. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. 7ª ed. Tradução de Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 2000.
REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo – Paulinas, 1990.
Dicionário Larousse francês-português, português-francês: míni/1 ed.-São Paulo: Larousse do Brasil, 2005.