quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Banalização do mal, segundo Hannah Arendt.

Como fundamentar a superfluidade da vida humana perante sua burocratização, que desconhece ou ignora sua condição humana diante da calamidade, banalizando atitudes maléficas. Com o olhar voltado ao julgamento de Otto Adolf Eichmann como compreender sua mecanicidade em relação às regras e diretrizes, legalizadas e legitimadas pelo sistema nazista. Como compreender o entendimento da parte de Eichmann do que é o mal e sua relação com o dever profissional, assim como relacionar o que pensa aquele que sofre algo que subentendesse um maléficio.

Refletir a teoria “arendtiana” acerca do entendimento sobre a banalização do mal e seus fundamentos teóricos. Trataremos principalmente de algumas características que fizeram parte do julgamento de Eichmann, e sua importância para compreensão do homem burocrático, que a partir de uma ética profissional promove o mal, legalizado e institucionalizado pelo sistema político.

Devido a grande importância e atualidade da filosofia proposta por Hannah Arendt, e suas significativas contribuições para o debate filosófico, tanto político como ético, sendo o tema bastante pontual, esta será nossa diretiva: a questão ética do homem burocrático e sua normalidade perante o mal praticado e institucionalizado pelo sistema político. Proporemos, a partir de uma análise da obra Eichmann em Jerusalém, compreender a banalidade do mal. Em sua obra Arendt relata sobre este tema a partir de uma descrição do julgamento do caso Eichmann, pondo em relevo as limitações assim como os equívocos ocorridos no processo. No seu relato, a autora faz apontamentos sobre a fragilidade do entendimento do mal, e principalmente a distorção daqueles que praticam atos que subentendesse maléficos.

Segundo Arendt, no banco dos réus não estava um sádico, mas um homem assustadoramente normal, que cumprindo às vezes de um bom funcionário, e obediente, buscando alcançar metas estabelecidas, desenvolvia, diga-se de passagem, muito bem o seu trabalho.

A partir da descrição de Arendt, iremos traçar um caminho que caracterize a superfluidade do homem burocrático, que age com naturalidade e orgulho o seu labor. Buscaremos fragmentos que demonstrem a institucionalização do mal, como algo constituído, arraigado em sistemas políticos, que a partir de um discurso civilizador promove a violência e a coerção. Que não remontam tempos antigos, mas tempos atuais, onde a violência não mais se vincula com aspectos emocionais ou irracionais, mas como parte integrante de um processo civilizador, que sendo monopolizado pelo Estado, abre mão da violência para salvaguardar o próprio Estado.

Assim podemos atribuir algumas características da banalização do mal, sejam eles, o progresso positivista, a superfluidade do sujeito, a burocratização do sujeito, entre outros aspectos, os grandes contribuintes na institucionalização e burocratização mal

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. José Rubens Siqueira São Paulo: Companhia das Letras. 1999.

AMITRANO, Georgia Cristina. Ecos de Razão e Recusa: Uma Filosofia da Revolta

de Homens em Tempos Sombrios. Georgia Cristina Amitrano: Rio de Janeiro, 2007.

sábado, 30 de janeiro de 2010

O Itinerário de Santo Agostinho
Palavras-chave:
Busca, felicidade, memória, esquecimento, invocação e aceitação.

Resumo: É facilmente notável nas páginas de Confissões de Agostinho a saudade de Deus. É a partir desta saudade que ele traça um caminho em busca de satisfazer essa falta, pois, se há saudade fica evidente que num certo momento houve um relacionamento com Deus e o afastamento dele nos insere numa saudade. Agostinho nos conduz a um itinerário rumo à felicidade, oferecendo-nos pistas para que não nos percamos durante o percurso. Expõe ele as características, particularidades, especificidades, para então nos projetarmos em direção “nossa”, ao nosso interior, assim na direção de Deus por Deus mesmo. É muito difícil nas obras de Agostinho, e nas Confissões não é diferente, isolar conceitos, pois, de certo eles se entrelaçam, envolvem-se, perpassam-se. Iremos então nos ater, dedicar-nos, limitar-nos ao máximo nas características da busca, como buscar, o que dificulta essa empreitada.

Busca e encontro...
Para Agostinho o homem destina-se à felicidade e isso se dá no reencontro com seu criador. Nesse itinerário de volta a Deus é necessário um longo percurso para dentro de si mesmo. E neste sentido a alma tende para se buscar, a partir de uma tarefa voluntariosa e de amor. Busca-se aquilo que se ama. Há um desejo ardente e pulsante por algo de dentro, no mais recôndito do interior do homem. E até reencontrar-se dentro de si consigo mesmo, o homem não aquieta seu coração. Como diria Guimarães Rosa há um “ensimesmar-se” , voltar-se para dentro de si mesmo, abstrair-se.
“Quando te procuro, ó meu Deus, procuro a felicidade da vida. O meu corpo, com efeito, vive da minha alma, e a alma vive de ti. Como então devo procurar a felicidade? Não a possuirei enquanto não puder dizer: basta, aqui está” .
Há, no homem, uma memória de Deus, um lembrar-se de seu criador. Um desejo pelo imperecível, pela eternidade. Quando pode, escolhe pela verdade. Vive em busca da felicidade em algo que permaneça. Deus, verdade e felicidade, de certa forma, tornam-se princípios de sua existência, pois deseja a eternidade do ser, busca de conhecer a verdade, quer a felicidade. E mesmo não sendo tão evidente à memória, o homem é orientado, iluminado por Deus, permitindo a lembrança da memória. Partindo deles, esses princípios, também o critério para o “sossegamento” de seu coração, já que este não se aquieta. A busca desses princípios se manifesta durante toda a existência humana e o prazer está na busca deles. Pelo contrário, quando nos afastamos de Deus, afastamos-nos de Deus e de nós mesmos, por conseguinte da felicidade.
“Tu és a verdade que a tudo preside ”.
Agora, se Deus preenche tudo, inclusive o homem, e este não reconhece esse preenchimento, é porque ele próprio se afastou de si mesmo. Então esses princípios aos quais o homem é voltado, encontram-se dentro dele mesmo, no mais íntimo de seu ser. Deus é mais presente que o homem dentro do próprio homem. Poderíamos afirmar que o homem se esqueceu desses princípios, mas só esquece de algo que se conhece. É a memória do esquecimento.

Para falar das diferenças...
O livro X das Confissões, onde Agostinho argumenta acerca da memória, há uma problemática na qual se refere à invocação. Como sabemos o prefixo “in” refere-se a um movimento para dentro, “aproximação”. Vocação é o ato de chamar. Pode-se dizer que essa invocação é um chamar dentro, algo de inerente ao homem, chama algo que está dentro dele mesmo. Evidencia-se uma linha muito tênue entre o humano e o divino. O homem limitado, mortal e pecador, diante de Deus, suma potência, imortal, perfeita perfeição. Ainda diante desta desproporção, lhe é dado a oportunidade da invocação, que precede o louvor, sendo este considerado uma parcela da felicidade do homem. No entanto, o homem tem para si um outro fator muito importante e que lhe comprometeu e o compromete durante toda sua vida; o pecado original, que surge de um desejo do homem de se igualar a Deus. A soberba, esse inchaço, empolamento. O homem se envolve, está envolto no pecado, pois, pelo pecado, pela soberba, o homem se esqueceu de sua relação com Deus, e, por conseguinte, de sua meta, o repouso em Deus. Na tentativa de se igualar a Deus, o homem perdeu seu rumo.
Todos esses fatores evidenciam a busca do homem por seu “princípio”, “essência”, que é o repouso em Deus.

Para lembrar de lembrar...
Nesse itinerário de volta para si e para Deus, é necessária uma preparação, um preâmbulo, um proêmio. Nesse início é necessária uma rememoração, uma lembrança da lembrança. Uma primeira etapa consiste em aceitar o testemunho daqueles que conviveram com a própria história no presente, na pregação testemunhada e atestada na Sagrada Escritura. Isto de forma muito singela, mas não menos importante, seria o ponto inicial, voluntarioso e que acompanhará e orientará no caminho a ser percorrido. Dessa forma, a partir da fé, há um debruçar-se diante da razão, ou seja, a razão corroborada pela fé prosseguirá o itinerário então iniciado. Esta noção dada pela fé não será o objeto final, mas, apenas um esboço, “esquisse”, pois, não se busca o que se possui e sim o que se deseja, ama, mas não tem.
“Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti ”.
Para Agostinho a fé é responsável pela percepção da verdade, a qual o próprio Deus participa e que está presente e ausente no homem; presente, pois, está na natureza do homem, e ausente no interior do homem pelo afastamento de Deus. Pela fé, Deus permite o reconhecimento dessa verdade. A fé não se basta a si mesma, pois indica um caminho a ser percorrido e demonstra a não chegada ao seu final. Mas é suficiente para conduzir o homem até a entrada para si mesmo, onde também está Deus.
“Quem conhece a verdade conhece esta luz, e quem a conhece, conhece a eternidade. Ó eterna verdade, verdadeira caridade e querida eternidade! És o meu Deus, por ti suspiro dia e noite ”.
Para não concluir...
A busca da felicidade é um dos objetivos da vida de Agostinho, verdade e felicidade se relacionam no caminho para Deus. Isso é essencial para o homem no que concerne ao aquietamento de seu coração. Há uma relação muito estreita entre memória e esquecimento. Existe uma lembrança de Deus, e uma lembrança do esquecimento. Evidente que somente se lembra que esqueceu aquele que possuir a lembrança na memória. Deus oferece sua memória em relação a si mesmo ao homem “memoria dei”.
Existe um processo voluntarioso do homem que invoca, chama dentro de si, mesmo diante das diferenças entre o homem e Deus. O homem feito por e para Deus, sendo louvor sinônimo de felicidade. Para seguir este itinerário no seu começo é imprescindível a aceitação da fé, a qual mostrará à razão a estrada. Podemos subentender que ao percorremos esse caminho chegaremos ao objetivo do homem, a felicidade junto de Deus e o encontro consigo mesmo, abrandando suas inquietudes e proporcionando sua tão cara felicidade.

Bibliografia:
AGOSTINHO, Santo, 354-430. Confissões: Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante; revista de acordo com o texto latino por Antonio da Silva mendonça. 9ª ed.-São Paulo, 1984.
BIBLÍA SAGRADA: Antigo e Novo Testamento. Tradução dos Originais mediante a versão dos monges de Moredsous (Bélgica): 110ª Ed. – São Paulo, 1997.
BOEHNER, Philotheus; Gilson, Etienne. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. 7ª ed. Tradução de Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 2000.
REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo – Paulinas, 1990.
Dicionário Larousse francês-português, português-francês: míni/1 ed.-São Paulo: Larousse do Brasil, 2005.